terça-feira, 13 de maio de 2008

A História do Vale de Aran

A história do Vale d´Aran (de Quatrim) nasce para lá dos Pirinéus, na região de Toulouse e na cruz de mesmo nome, símbolo dos condes da cidade. Este símbolo religioso, ficaria também, na história, associado ao movimento albigense ou cátaro, ideal religioso cristão que procurou nas raízes do Cristianismo primitivo uma alternativa moral aos abusos veiculados pela Igreja Medieval. Sob a sua influência a região dos Pirinéus ganhou um enorme desenvolvimento, não só económico mas também cultural e artístico, um oásis no perigoso mundo europeu da época, protegido por Raymond VI (conde de Toulouse) e pelo rei catalão de Aragão, Pedro II.

Contra eles decretou o Papa Inocêncio uma Cruzada, denominada pelos historiadores de Cruzada Albigense, onde os barões do norte de França se projectaram contra a região com uma crueldade implacável. Da carnificina resultou uma vaga enorme de refugiados que, através do território de Andorra, escaparam de França para a o tolerante Reino de Aragão. Não obstante, a protecção que procuravam rapidamente se evaporou, extinta na receptividade que os monarcas subsequentes mostraram à instalação da Inquisição no seu território. Ora, o primeiro alvo das forças inquisitoriais foram precisamente, não só estes refugiados cátaros, mas também os cavaleiros foragidos da entretanto extinta Ordem dos Templários. É precisamente neste ponto da história que surge a lenda do jovem cavaleiro Joan D Urgell, ex-templário, que conduziu um pequeno grupo destes refugiados desde Viella, no Vall d´Aran pirenaico, através da Peninsula Ibérica, até ao Al-Garb português. Foi aqui que, por influência da recém criada Ordem de Cristo (e com quartel algarvio em Castro Marim), conseguiram terras para, e sob protecção do monarca português, assentarem arraiais. A esse sítio deram o nome de Vale de Aran.

Porém, e se a este grupo se deve a toponímia "Vale de Aran", a presença humana no local não nasceu com a sua chegada. O Vale de Aran é parte integrante de um sítio maior denominado Quatrim (hoje também conhecido pela divisão entre Quatrim norte e quatrim sul) e cuja antiguidade, segundo o investigador Luis Fraga, da associação campo arqueológico de Tavira, remontará, pelo menos, à época dos romanos. O presente Quatrim seria então uma zona rural conhecida por Quatrinium (http://arkeotavira.com/alg-romano/marim/), a norte do assentamento de Marim, entre as importantes cidades de Ossonoba e Balsa.

Registe-se também que o termo "Quelfes" não existe nesta altura. Embora a doutrina não seja unanime (Hubner, arqueólogo alemão defende a origem visigótica do termo, por oposição a Frei João de Sousa, apóstolo da origem àrabe), esta aponta para uma origem sempre posterior à época clássica. De facto, o sítio que hoje corresponde à localidade de Quelfes, terá ganho essa associação talvez apenas a partir do século XIX, uma vez que o primordial nome do sítio é (e ainda presente nos mapas cadastrais) Sítio da Igreja. Remontando a fontes do século XVII, altura da desanexação da freguesia de Quelfes da de S.Pedro (Faro), Quelfes é a denominação principal dada à extensão de terra rural, polvilhada de hortas e onde o termo de Faro delimita com o de Tavira (Moncarapacho, localidade já com relevo na época, pertencia a Tavira).

Regressando à nossa análise histórica, o Algarve era, nesta época de recém reconquista, um território a saque constante, porquanto os piratas mouros, oriundos de Marrocos, assaltavam constantemente os povoados. A área de Marim e Quatrim, presume-se, era já razoavelmente povoada. Um argumento base sustenta esta afirmação: A decisão de El-Rey Don Dinis mandar aí erigir um posto militar, que actualmente conhecemos por torre de Marim. A lápide aí existente, situada na parede norte do edifício, indica que a torre começou a ser construida "aos 13 dias do mês de Abril da Era de 1320", ou seja 1282 (só a partir de 1582 com a bula inter gravissimas do Papa Gregório XIII se processa à alteração da datação com a implementação do calendário gregoriano moderno. A diferença de datação - menos 38 anos - situa esta data no ano de 1282).

Por outro lado, escreve Alberto Iria, na obra "descobrimentos Portugueses - O Algarve e os Descobrimentos" que " em 1294, el rey D. Diniz concedera a um tal Pedro Thomaz e mulher, por aforamento, a séssega de uma azenha..." (possivelmente coincidente com o actual moinho de maré). Em 1365 é o então principe D. Pedro que concede por aforamento a Quinta de Marim a Afonso Pestana e sua mulher Domingos. Concluindo: Marim e suas imediações configuram um centro populacional de alguma importância que urge defender. É neste ponto que se parece encaixar a lenda do Vale de Aran e dos seus cavaleiros. Infelizmente, os únicos vestígios físicos que, no vale, podemos encontrar deste período são uma espécie de poço (hoje aterrado), junto à ribeira de Marim e umas lajes de pedra, posteriormente aproveitadas como base para uma eira, numa propriedade mais acima.

Tudo o resto se resume à oralidade, preservada na principal quinta do vale, praticamente isolada até ao alcatroamento do caminho do buraco (denominação da via aliás bem coincidente com esse isolamento - o vale era, de facto, um "buraco" de isolamento). Protector dos templários (aliás a ele se deve a criação da ordem de Cristo que, por assim dizer, reuniu em Portugal os membros da dissolvida organização), não surge pois como facto estranho que D. Dinís, através desta nova agremiação, e ainda para mais tendo em conta as permentes necessidades de povoamento e defesa (que atrás referimos) tenha concedido terras em Quatrim a este grupo de povoadores, para aí se fixarem.